Ex-alunos matam oito pessoas em ataque a escola em Suzano

Cinco estudantes e duas funcionárias do colégio Raul Brasil, além do tio do atirador, foram mortos

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São Paulo

Uma escola pública tradicional na Grande São Paulo foi palco de um massacre no estilo dos ocorridos nos Estados Unidos. Um homem e um adolescente planejaram e executaram o assassinato de ex-colegas e funcionários da Raul Brasil usando um revólver, carregadores, uma arma medieval e uma machadinha.

Antes, haviam matado o tio do adolescente. Morreram os estudantes Kaio Lucas da Costa Limeira, Cleiton Antonio Ribeiro, Caio Oliveira, Samuel Melquiades Silva de Oliveira e Douglas Murilo Celestino e as funcionárias Marilena Ferreira Umezu e Eliana de Oliveira Xavier.

O crime ocorre em meio ao debate sobre posse de armas e chama a atenção por ter sido cometido em dupla e longamente planejado. O presidente Jair Bolsonaro lamentou o atentado seis horas após ocorrido.

Antes de irem à escola, Luiz Henrique de Castro e Guilherme Taucci Monteiro foram a um lava-jato, às 9h30, e atiraram no proprietário, que era tio de Guilherme e teria descoberto o plano da dupla. Eles, então, entraram em um carro alugado, um Onix branco que aparece em imagens de câmeras de vigilância.

Na sequência, os dois foram até o colégio, na mesma rua, onde chegaram por volta das 9h40. Um vídeo de câmera de segurança mostra que o primeiro a entrar foi Guilherme. Vestido de preto, usando um lenço com estampa de caveira e com uma mochila, ele sacou um revólver e começou a disparar em direção a um grupo de alunos e da coordenadora pedagógica, Marilena Ferreira Umezu, uma das vítimas.

Na sequência, ele se dirigiu ao pátio, onde havia mais adolescentes pois era hora do intervalo. Menos de um minuto depois, Luiz Henrique entrou, colocou as armas no chão, pegou a machadinha e golpeou os alunos que haviam sido atingidos pelo comparsa. 

Rapidamente, fugindo de Guilherme, um grupo de estudantes correu em direção da entrada da escola, onde encontraram Luiz Henrique. 

As imagens mostram o ex-aluno tentando atingir o grupo. A machadinha só deixou de ser usada quando ele desferiu um golpe em um aluno que ficou com a arma presa no ombro mas conseguiu fugir e buscar ajuda em um hospital da cidade, a 300 metros.  

Outra câmara de segurança, essa na rua da escola, mostra o pânico dos estudantes que pulavam o muro da unidade para fugir da dupla. 

A Folha conversou com Juliano Simões de Santana, vizinho da escola. O morador disse que ouviu os disparos próximo ao intervalo das aulas do período matutino. “Moro ao lado, ouvi um tumulto e fui para lá.

Cheguei e vi várias crianças saindo correndo ensanguentadas. Um desespero, professor, funcionário, todos correndo”, afirmou. 

As vítimas são o empresário Jorge Antonio de Moraes, tio de  Guilherme, e os alunos Kaio Lucas da Costa Limeira, Cleiton Antonio Ribeiro, Caio Oliveira, Samuel Melquiades Silva de Oliveira e Douglas Murilo Celestino. 

Além da coordenadora Marilena, a inspetora de ensino Eliana Regina de Oliveira Xavier foi outra funcionária da escola morta no ataque. As informações foram confirmadas pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, João Camilo Pires de Campos.

De acordo com o comandante-geral da Polícia Militar, Marcelo Vieira Salles, os policiais chegaram à escola quando os dois atiradores ainda faziam os disparos na direção dos estudantes, que deixavam o prédio desesperados. 

Segundo Salles, ao que tudo indica, um atirador atirou na na cabeça do outro. Depois, esse se suicidou.

Os policiais chegaram rapidamente ao local porque haviam sido acionados em razão do primeiro ataque da dupla, no lava-jato. Os PMs tentavam localizar o Onix Branco apontado por testemunhas como o veículo da fuga.

Aos avistarem o carro parado na frente da escola se depararam o crime em andamento. “Quando [os policiais] desembarcaram, ouviram disparos. Se depararam com pessoas mortas pelo caminho, funcionárias, alunos, e ao chegar ao fundo da escola, eles tiveram contato visual com os dois atiradores, ainda vivos.”

Ainda segundo o comandante, os dois estavam em frente a uma sala de aula que funciona o centro de línguas, onde estavam cerca de 25 alunos. “Ao que tudo indica, eles entrariam também nessa sala e disparariam contra essas crianças. Quando eles viram a Força Tática, eles entraram para dentro um corredor e um atirou na cabeça do outro e, depois, esse se suicidou logo após”, afirmou ele.

Segundo a reportagem apurou, os ex-alunos planejavam o ataque há cerca de um ano e meio. A informação foi confirmada em por um policial que acompanha o caso. 

Segundo ele, Luiz Henrique  e Guilherme conversaram sobre o ataque por meio de mensagens de texto. O teor das conversas não foi informado.

Uma das linhas de investigação da Polícia Civil é a de que o tio de Guilherme tenha descoberto o plano da dupla e, por isso, os criminosos teriam feito uma “queima de arquivo”.

A polícia acrescentou que as armas usadas no crime foram compradas por Monteiro, com o dinheiro que recebeu de um carrinho de cachorro-quente onde trabalhava. O valor das compras e onde foram feitas é verificado pela polícia.

Já o carro usado pela dupla, um Onyx branco, foi alugado por Castro, segundo nota da Localiza, em 21 de fevereiro, com devolução para o dia 15.

A polícia também divulgou dois cadernos escolares apreendidos no carro usado pela dupla, nos quais há desenhos. O material será analisado por investigadores.

À noite, uma missa foi realizada na frente da escola.

Após o ataque, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou  que os procedimentos de segurança em todas as 5.3000 escolas serão revistas e que está em estudo um projeto para reforçar as unidades mais vulneráveis.

As aulas em todas escolas públicas estaduais e municipais de Suzano estão suspensas até sexta-feira (15).

O governador João Doria  (PSDB) declarou luto oficial de três dias no Estado. Segundo ele, o ataque foi “a cena mais triste que eu já assisti em toda a minha vida”.

Já o presidente Jair Bolsonaro (PSL), só se manifestou pelas redes sociais, e após mais de seis horas dos crimes. Segundo ele, o caso foi “uma monstruosidade e covardia sem tamanho.”

Professor fechou porta de sala com armário para esconder alunos

Alunos, professores e funcionários que estavam na Escola Estadual Raul Brasil viveram momentos de medo durante o ataque a tiros que deixou oito mortos.

O professor Paulo da Silva, 60, bloqueou a porta de sua sala com um armário até que o barulho de tiros passasse. 

“Os alunos estavam indo para o pátio e eu, para a sala dos professores quando o barulho começou. Quando vi que era tiro, corri para a sala e gritei para todo mundo: ‘entra, entra!’”, relata. 

“A gente se sente impotente vendo colegas caindo sangrando sem poder fazer nada”, diz o professor.
Ele conta que muitos alunos ligavam para a polícia, mas se desesperavam ao se deparar com um sistema eletrônico de resposta. Oito minutos depois, porém, a PM chegou.

Segundo ele, muitos alunos haviam perdido o celular e não conseguiam ligar para casa. Em pânico, alguns não se lembravam do número de telefone de casa para avisar os pais do que tinha acontecido. 

Juliana Romera, 40, tomava café da manhã da família quando ouviu barulhos: tiros seguidos de gritaria na rua. A advogada abriu o portão de casa e encontrou cinco adolescentes aflitos. Outros dois chegaram mais tarde.

Eles haviam pulado o muro e escapado do ataque. Juliana mora nos fundos do colégio. “Estavam atordoados, chorando e gritando muito.”

Juliana disse à Folha que deu colo, carinho e muita água com açúcar para acalmar os adolescentes. “Eu nunca vou me esquecer deles.”

Os sobreviventes contaram à moradora que foram encurralados e, para não morrer, pularam o muro dos fundos da escola, que dá de frente para a casa da Juliana. Lá ficaram por cerca de uma hora.

A primeira vítima a ser socorrida após ataque foi da escola até o hospital andando. O estudante José Vitor Lemos, de 19 anos, percorreu cerca de 300 metros a pé com uma machadinha no ombro até o Hospital Santa Maria. O jovem precisou passar por cirurgia. 

O menino relatou aos pais que estava com a namorada durante o intervalo da aula quando percebeu a confusão. “Os dois correram então, um pra cada lado, só que ele foi na direção errada”, disse o pai. José Vitor foi atingido por uma machadinha arremessada por um dos autores do ataque. A namorada do jovem não se feriu. 

A cronologia do atentado​

1. Por volta de 9h, Luiz Henrique de Castro, 25, e Guilherme Taucci Monteiro, 17 , atacam dono de locadora de carros e lava jato próximo à escola a tiros —o homem é socorrido, mas não resiste e morre no hospital

2. Os dois seguem até a escola, onde entram e atiram na coordenadora pedagógica, que morre

3. Eles atiram em uma segunda funcionária, a  agente de organização escolar, que também é morta

4. Os atiradores se encaminham para o pátio da escola. É hora do lanche e há apenas alunos do ensino médio

5. Os atiradores abrem fogo. Quatro adolescentes são mortos no local, e outros são feridos  

6. Atiradores se dirigem para o centro de línguas que funciona na escola, em outro andar. Lá, a professora e os alunos se trancam em uma sala 

7. Do lado de fora, eles veem os policias se aproximando e um teria atirado no outro e depois se suicidado 

8. Polícia chega ao local 8 minutos após ser chamada  

OUTROS CASOS

Já houve no país ao menos outros oito casos similares ao de Suzano com atiradores (alunos ou não) dentro de escolas abrindo fogo contra estudantes e outras pessoas. 

Em Salvador, um jovem de 17 anos matou duas colegas dentro da sala do colégio particular Sigma e foi preso em flagrante. À época, em 2002, a delegada encarregada do caso afirmou que o revólver calibre.38 utilizado pelo garoto pertencia ao pai, que era perito policial.

Em janeiro de 2003, em Taiúva (a 363 km de São Paulo), Edmar Aparecido Freitas, 18, ex-aluno da escola estadual Coronel Benedito Ortiz, invadiu o pátio da instituição, atirou em alunos, professores e funcionários e depois se matou. 

Em abril de 2011, em Realengo (zona oeste do Rio), doze adolescentes –dez meninas e dois meninos– morreram no massacre da escola municipal Tasso da Silveira. Eles foram vítimas de Wellington Menezes de Oliveira, 23, que atirou contra as vítimas na sala de aula.

No mesmo mês, um adolescente de 14 anos que se disse vítima de bullying matou um colega com golpes de faca no interior do Piauí. O caso ocorreu na zona rural da cidade de Corrente, no extremo sul do Estado.

Também em 2011, mas em setembro, um aluno de 10 anos de idade que estava no 4º ano atirou na professora Rosileide Queiros de Oliveira, 38, e depois se matou na escola Professora Alcina Dantas Feijão,  em São Caetano do Sul (Grande São Paulo).

Em abril de 2012, um adolescente de 16 anos atirou em outras três alunas de escola estadual de Santa Rita (região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba). O objetivo do rapaz era acertar um menino de 15 anos com quem havia discutido duas vezes.

Em outubro de 2017, quando um adolescente de 14 anos matou dois colegas e feriu outros quatro, em Goiânia. O jovem utilizou uma pistola .40 da mãe, que assim como o pai é policial militar. Segundo a Polícia Civil, na época, o adolescente foi motivado por bullying. 

Já em 2018, um estudante de 15 anos atirou contra colegas em um colégio no Paraná, deixando dois feridos.

Com Agora

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